“Bananeira não sei, bananeira sei lá, bananeira sei não: a maneira de Vê! 
                                     Bananeira não sei, bananeira sei lá, bananeira sei não: isso é lá com você!”
                                                                                                              (Gilberto Gil e João Donato)
                               “Tenho uma meta a seguir sou fruto daqui, se for pra somar, êi mano chega aí”
                                                                                                                                       (Criolo Mc)

O semiárido nordestino é marcado pelo histórico de luta de seus habitantes: luta por sobrevivência em um território caracterizado pela irregularidade das chuvas; luta pelo reconhecimento do seu direito à terra. De fato, desde meados do século XVII, já nos primeiros contatos entre indígenas e europeus, quando da radicalização do processo de colonização e ocupação do sertão, evidencia-se o caráter conflituoso da constituição da região do vale jaguaribano. Conflito visível tornado invisível, tanto pelo aperfeiçoamento moderno das técnicas de dominação e apassivamento dos indivíduos, quanto pela promessa de desenvolvimento e progresso que dão a tônica do discurso do Estado brasileiro.  

Olhando pela janela do ônibus, no dia 24 de outubro de 2013 em visita à Chapada do Apodi , nos perguntávamos: de onde vêm tudo isso? Tanta bananeira junta em pleno sertão será um disparate? Ou havíamos encontrado em meio à caatinga um conto kafkiano  ainda desconhecido do grande público? Sim e não, talvez. O capitalismo em sua forma monopolista que emerge no pós-guerra e se desenvolve durante o século XX deixa, por onde passa, uma atmosfera onírica que grita a absurdidade de um modo de vida e de produção totalitário, cuja dinâmica de expansão é submeter a diversidade à identidade, impondo-se como única maneira de ocupar territórios - sejam eles geográficos, afetivos, sociais, econômicos, políticos, existenciais - e como única maneira de se relacionar com a natureza.

O chão seco de terra avermelhada é claro indício dos investimentos massivos na transformação da paisagem da Chapada do Apodi. Terra vinda de outro lugar, lógica vinda de outro lugar, água vinda do Rio Quixeré, afluente do Rio Jaguaribe, por meio de políticas públicas voltadas para o agro e o hidronegócio; formas de vida locais, que atualizam a luta histórica de resistências no interior do Brasil: resistência indígena, do cangaço, de Canudos, Caldeirão, Palmares, Chico Mendes e Zé Maria do Tomé. Resistência nossa, de agricultores e filhos de agricultores, homens e mulheres da terra, de sabedoria simples, de poesia tirada do peito do chão, do pé do feijão e do cabelo do milho, que fazem “cultura como resistência”, como afirmação da existência em sua diferença, frente à homogeneidade da sociedade de consumo.

No Capitalismo Mundial Integrado, o mundo aparece como um elogio constante a si mesmo, como se o estado de coisas atual satisfizesse a todos e os recursos naturais fossem infinitamente exploráveis. No entanto, fervilham em pontos diversos do globo reivindicações e lutas locais que formam uma rede de resistência aos avanços do modelo de desenvolvimento imposto pelo capitalismo globalizado e seu projeto de morte. É neste sentido, que as lutas locais do Vale do Jaguaribe adquirem importância planetária, fazendo com que a região recebesse, durante a última semana (entre 23 e 25 de Outubro), a Caravana Agroecológica e Cultural da Chapada do Apodi, evento que mobilizou pessoas de várias regiões do país e da América latina, que têm como causa comum a discussão do modelo de desenvolvimento proposto pelo mercado mundial. 

Com uma arte de plantador, inspirados nas experiências alternativas de lida com a terra e com a vida, é que vivenciamos esse momento rico em saberes. Sabedoria popular, fundada na ancestralidade do não escrito, do não documentado, mas que se encontra inscrita na pele, nos olhos, no corpo e na alma do povo jaguaribano, atualizando uma contra memória, uma memória de luta contra a irracionalidade do poder estabelecido e contra o que há de intolerável no presente, para a construção, quem sabe, de um futuro diferente. Plantar! 

Elielvir Marinho do Nascimento
Filósofo e professor do Curso de História da FAFIDAM/UECE