Por Francis Dupuis-Déri  | Tradução Guilherme Miranda




Livro relata diversas manifestações dos Black Blocs em todo mundo há mais de 15 anos. Na Alemanha (onde os primeiros grupos surgiram), França, Itália, EUA, Grecia, Canadá, Turquia e, entre tantos outros países. O título deve ser o mais amplo e profundo retrato do que é esse fenômeno, suas origens e seus objetivos. 





O que distingue a tática dos black blocs não é o recurso à força, tampouco o uso de equipamentos defensivos e ofensivos em passeatas e manifestações –ainda mais porque muitos black blocs já protestaram pacificamente sem qualquer equipamento. Na verdade, o que diferencia essa tática de outras unidades de choque é sobretudo sua caracterização visual –a roupa inteiramente preta da tradição anarcopunk– e suas raízes históricas e políticas nos Autonomen, o movimento “autonomista” em Berlim Ocidental, onde a tática do black bloc foi empregada pela primeira vez, no início dos anos 1980.

Esse autonomismo (1) surgiu na Alemanha e depois se espalhou para a Dinamarca e a Noruega. As origens ideológicas dos Auto- nomen são variadas –marxismo, feminismo radical, ambientalismo, anarquismo– e essa diversidade ideológica era vista em geral como garantia de liberdade.

Na Alemanha Ocidental, as feministas radicais tiveram um impacto profundo nos Autonomen, injetando um espírito mais anarquista no movimento, que, no resto da Europa Ocidental, era mais marcado pela influência marxista-leninista.

As feministas buscavam redefinir a política, estimulando a autonomia em várias esferas: a individual por meio da rejeição à representação, de modo que as pessoas falassem por si mesmas, e não em nome do “movimento” ou de todas as mulheres; a de gênero, por meio da criação de coletivos exclusivamente de mulheres; a decisória, por meio da adoção de tomadas de decisões consensuais; e a política, por meio da independência de órgãos institucionalizados (partidos, sindicatos etc.), por mais progressistas que fossem.

Os Autonomen praticavam uma política igualitária e participativa “aqui e agora”, sem líderes ou representantes; a autonomia individual e a autonomia coletiva eram, em princípio, complementares e igualmente importantes.

Os grupos autônomos alemães expressavam-se politicamente por meio de campanhas contra o pagamento de aluguéis e reapropriações de centenas de edifícios, que eram transformados em lares e espaço para atividades políticas.

Os grupos autônomos alemães expressavam-se politicamente por meio de campanhas contra o pagamento de aluguéis e reapropriações de centenas de edifícios, que eram transformados em lares e espaço para atividades políticas.

Muitas dessas ocupações davam comida e roupa de graça e abrigavam bibliotecas, cafés, salas de reunião e centros de informações conhecidos como “infoshops”, assim como espaços para shows e galerias de arte onde músicos e artistas socialmente engajados podiam apresentar seu trabalho. O mesmo movimento ocupou universidades e enfrentou neonazistas que perseguiam imigrantes, assim como policiais que protegiam usinas nucleares. Nessas ocasiões, os Autonomen usavam capacetes, escudos improvisados, bastões e projéteis.

REPÚBLICA livre. Não se sabe ao certo quando o termo “black bloc” foi utilizado pela primeira vez. Alguns afirmam que foi em 1980, quando um chamado pela mobilização anarquista de Primeiro de Maio em Frankfurt pedia às pessoas que “[se juntassem] ao Black Bloc”. Outra história localiza o surgimento do termo meses depois, quando a polícia avançou para desmontar a República Livre de Wendland, um acampamento em protesto contra a abertura de um depósito de lixo radiativo em Gorbelen, Baixa Saxônia.

Nos dias seguintes, foram organizadas manifestações em solidariedade, sendo a mais famosa a “Black Friday”, na qual, segundo consta, todas as pessoas estavam vestidas com jaquetas de couro preto e um capacete de moto, com os rostos cobertos por bandanas pretas. As reportagens sobre o evento faziam referência ao Schwarzer Block (isto é, black bloc).

Outros ainda defendem que o termo foi cunhado em dezembro de 1980 pela polícia de Berlim Oriental. Tendo decidido pôr fim às ocupações, as autoridades municipais haviam autorizado a polícia a conduzir uma série de despejos extremamente violentos. Diante da ameaça iminente de uma ação brutal da polícia, diversos Autonomen com máscaras e roupas pretas foram às ruas para defender suas ocupações.

Nesse cenário, chegou a haver ação jurídica contra a “organização criminosa” conhecida como “o Black Bloc”. Mas a ação da procuradoria perdeu, e as autoridades admitiram que a organização nunca existira. Depois, em 1981, foi impresso um panfleto intitulado “Schwarzer Block”, com a seguinte explicação: “Não existem programas, estatutos ou membros do Black Bloc. Existem, porém, ideias e utopias políticas, que determinam nossas vidas e nossa resistência. Essa resistência tem muitos nomes, e um deles é Black Bloc”.

Um grande black bloc se formou em Hamburgo em 1986 para defender as ocupações da rua Hafenstrasse. Cerca de 1.500 black blockers, apoiados por outros 10.000 manifestantes, enfrentaram a polícia e salvaram a ocupação. “Foi uma grande vitória”, afirmou um ativista do movimento autônomo, “provando que era possível evitar despejos” (2). A mobilização na rua aconteceu em colaboração com ações clandestinas contra as ameaças de despejo e ataques da polícia: pequenos grupos incendiaram mais de dez lojas, casas de políticos e prédios municipais.

Black blocs também apareceram em manifestações contra a visita do presidente norte-americano Ronald Reagan a Berlim Ocidental em junho de 1987. E, quando o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional (FMI) se encontraram em setembro de 1988, também em Berlim Ocidental, um black bloc participou dos protestos. Em algumas manifestações, Autonomen usando capuzes pretos caminhavam nus nas ruas — o espetáculo paradoxal de um black bloc altamente vulnerável.

Hoje, a Alemanha tem os maiores black blocs (muitas vezes chamados de blocos autônomos). O serviço de segurança do país, Bundesamt für Verfassungsschutz [Escritório Federal para a Proteção da Constituição], estima –talvez com demasiada precisão– que os black blockers do país cheguem a 5.800.

Nas manifestações anticapitalistas anuais de Primeiro de Maio em Berlim, os black blocs reúnem de 2.000 a 4.000 pessoas vestidas inteiramente de preto, envoltas por faixas e vestindo jaquetas de moletom com capuzes (jaquetas de couro saíram de moda) e óculos escuros (agora que as máscaras foram proibidas na Alemanha).

TURISTAS Essas manifestações se tornaram tão famosas entre as redes militantes europeias que muitos Autonomen se queixam de “turistas ativistas”, que buscam protestos como oportunidades para farrear, são indiferentes à realidade local e, pior de tudo, saem da cidade com a mesma rapidez com que chegaram a ela. Não é raro que essas pessoas comprem cerveja ao longo da manifestação e atirem os vasilhames vazios na polícia, sendo repreendidas ou até mesmo tratadas com violência por Autonomen “straight edge” (que defendem a abstinência de tabaco, álcool e drogas em geral). Mesmo assim, no ano passado, viam-se em Kreuzberg, bairro de Berlim, pôsteres em inglês –voltados, portanto, para turistas ativistas– convidando as pessoas a entrar em um “bloco anarquista/autônomo”.

Surgiram muitas outras ocasiões para a formação de black blocs, como os chamados para enfrentar os neonazistas reunidos em Dresden a fim de lembrar, em 11 de fevereiro, o bombardeio da cidade durante a 2ª Guerra Mundial.

Em razão do tamanho e do dinamismo do movimento autônomo alemão, várias redes podem enviar chamados simultâneos para a formação de blocos autônomos. Os blocos nascidos na rede de ação antifascista são compostos principalmente por homens cuja atitude é mais belicosa. As mulheres são a maioria nas redes antirracistas, nas quais questões de diversidade e inclusão têm mais importância.

COLORIDOS Nos últimos anos, foram convocados blocos multicoloridos, com o argumento de que pode ser insensível, do ponto de vista cultural, associar o negro a anonimato e uso da força.
Um desses comunicados foi feito em 1º de abril de 2012, para uma manifestação em Eisenach contra o encontro de fraternidades nacionalistas xenofóbicas. O pôster mostrava dois personagens vestidos ao estilo dos black blocs, mas um estava de roxo e o outro, de rosa. Apesar disso, a maioria dos participantes apareceu de preto, e alguns dos antifascistas chegaram a fazer comentários homofóbicos e sexistas contra companheiros que usavam cores mais extravagantes.

No acampamento No Border, realizado em Estocolmo em junho de 20 da política de imigração europeia, foi emitida outra convocação para um bloco colorido –atendida porém só por pouquíssimos ativistas suecos e alemães.

Também é importante mencionar que, nos anos 2000, surgiram grupos autônomos-nacionalistas ou de ação antiantifascista de extrema-direita, que, em marchas neonazistas, se apropriaram do estilo dos black blocs: óculos escuros, capuzes, muitas faixas, música eletrônica. Blocos como esses chegaram a reunir cerca de mil fascistas em grandes manifestações.

TÁTICA Como a tática dos black blocs migrou da Berlim Ocidental dos anos 1980 para a Seattle de 1999? Os sociólogos Charles Tilly, Doug McAdam e Dieter Rucht, especialistas em movimentos sociais, mostram como repertórios de ações coletivas consideradas eficazes e legítimas para a defesa e a promoção de uma causa circulam entre períodos e lugares diferentes. Eles são transformados e disseminados ao longo do tempo e entre fronteiras, de um movimento social para outro, segundo as experiências dos militantes e as mudanças na esfera política.

A tática dos black blocs se disseminou nos anos 1990, sobretudo através da contracultura punk e de extrema-esquerda ou ultraesquerda, via fanzines, turnês de bandas punks e contatos pessoais entre ativistas em viagens.

Acredita-se que tenha surgido pela primeira vez na América do Norte em janeiro de 1991, durante uma manifestação contra a primeira Guerra do Iraque. O prédio do Banco Mundial foi alvejado, e janelas foram quebradas. Um black bloc foi organizado depois, no mesmo ano, em San Francisco, em uma manifestação no dia do Descobrimento da América, denunciando os 500 anos de genocídio perpetrado contra as nações indígenas, e outro surgiu numa marcha, em Washington, pelo direito das mulheres de mandar em seus corpos. Jornais anarquistas como o “Love and Rage” ajudaram a tornar a tática black bloc conhecida em toda a comunidade anarquista norte-americana.

A tática também foi usada no início dos anos 1990 por membros da Anti-Racist Action (ARA), movimento antiautoritário e antirracista nos Estados Unidos e no Canadá, dedicado ao confronto direto com neonazistas e seguidores da Supremacia Branca.

Ativistas da seção de Toronto da ARA foram a Montreal em 22 de setembro de 1993, onde se reuniram em um pequeno black bloc em protesto contra a reunião (posteriormente cancelada), que teria dois prefeitos franceses direitistas, da Frente Nacional, como oradores convidados. O resultado foi um confronto violento com a polícia, uma torrente de bombas de tinta contra o restaurante que havia recebido os “frontistes” e uma perseguição pelas ruas em que os manifestantes foram atrás dos cerca de 30 skinheads neonazistas que haviam vindo proteger o lugar.

Em 24 de abril de 1999, um black bloc de aproximadamente 1.500 pessoas participou de uma passeata na Filadélfia exigindo a liberação de Mumia Abu-Jamal, um dos fundadores da divisão local dos Panteras Negras, que havia sido acusado de matar um policial em 1981 e condenado à morte.

MÍDIA Mas foi em 30 de novembro de 1999, durante as manifestações contra a reunião da OMC em Seattle, que a mídia exibiu a imagem do black bloc para o mundo.

Nos EUA, ao longo da década, a polícia vinha usando spray de pimenta contra manifestantes não violentos e fazendo prisões em massa, durante ações de desobediência civil realizadas por ambientalistas radicais da Costa Oeste. Imaginando que a atitude se repetiria, os black blockers optaram por uma tática móvel que evitaria prisões em grande escala e ataques de spray de pimenta e gás lacrimogêneo.

Na manhã de 30 de novembro de 1999, a polícia atacou os grupos de ativistas não violentos que vinham bloqueando a entrada do centro de convenções desde as 7 horas, e os estoques de gás estavam acabando. Às 11 horas, o black bloc entrou em ação em uma área distante do centro de convenções. O bloco estilhaçou as janelas de alguns bancos e empresas internacionais e desapareceu antes que a polícia pudesse reagir.

A mídia cobriu extensamente a aparição dos black blocs em Seattle, ajudando a difundir suas características distintivas: roupas pretas, máscaras nos rostos e ataques contra alvos econômicos e políticos. Os principais meios de comunicação apresentaram uma visão bastante negativa dos black blocs; a discussão sobre suas ações foi mais equilibrada na mídia alternativa, especialmente na rede on-line independente Indymedia, na qual se podiam ler comunicados dos black blocs e ver fotos e vídeos de suas ações (3).

Fascinadas por essas imagens e convencidas pelos argumentos a favor da legitimidade e da eficácia da tática, algumas pessoas passaram a se identificar com essa forma de ação e decidiram organizar seus black blocs na primeira oportunidade –por exemplo, caso fosse anunciada a realização de uma grande cúpula econômica internacional em sua cidade.

Na realidade, o protesto em Seattle foi parte de um grande movimento transnacional –conhecido por diversos nomes, entre eles movimento antiglobalização ou “alterglobalização”, ou “movimento dos movimentos” –que aproveita cúpulas feitas pela OMC, pelo FMI, pelo G8, pelo G20, pela UE, e assim por diante, para organizar vários dias de conferências e ações perto da cidade anfitriã.

Esse movimento amplo e heterogêneo se expressa por meio de diversas ações nas ruas. As principais organizações sociais democráticas (sindicatos trabalhistas, sindicatos rurais, federações feministas, partidos políticos de esquerda, entre outras) fazem uma passeata “unitária” supervisionada por unidades policiais vigorosas. Enquanto isso, diversos grupos militantes conduzem ações violentas. Os black blocs se organizam nessas ocasiões, às vezes marchando pacificamente, mas dispostos a recorrer à força física, dependendo do contexto e da sua força relativa.

Os black blocs também se envolveram em mobilizações não diretamente relacionadas ao movimento alterglobalização; foi o caso das cúpulas da Otan de 2003 e 2009 em Praga e Estrasburgo, respectivamente, e da Convenção do Partido Republicano em Nova York, em agosto e setembro de 2004.

A tática dos black blocs pode adquirir um sentido especial que varia dependendo do contexto local. Por exemplo, no México dos anos 1990, os anarcopunks se interessavam especialmente pelo visual dos black blocs, sobretudo pelo uso das máscaras, uma vez que essa também era uma característica do Exército Zapatista de Libertação Nacional –embora a relação dos anarcopunks com os zapatistas fosse ambivalente.

PERFIL É difícil fazer um perfil sociológico preciso dos homens e mulheres que participam de black blocs: não só porque eles usam disfarces mas porque cada black bloc é diferente do outro. Ainda assim, minhas observações sugerem que eles são compostos sobretudo por jovens (embora alguns membros tenham mais de 50 anos) e homens (em alguns casos, apenas 5% dos black blockers são mulheres).

Mesmo nas redes antifascistas e antirracistas do Ocidente, os membros do black bloc são majoritariamente de origem europeia, quase não havendo negros ou hispânicos. É claro que também se pode dizer o mesmo de outras redes políticas da esquerda do Primeiro Mundo, mas as ações diretas específicas dos black blocs são mais arriscadas para imigrantes e negros, porque a repressão contra eles pode ser bem maior.
O sociólogo francês Geoffrey Pleyers identificou entre os participantes de black blocs tanto jovens com baixos níveis de consciência política em busca de emoção como ativistas altamente politizados.

É fato que algumas pessoas entram em black blocs sob a influência de amigos ou pelo simples desejo de extravasar a raiva reprimida, mas ninguém pode forçar outra pessoa a adotar essa tática, que se baseia no respeito à autonomia de todos que dela participam.

Nem todos os participantes de black blocs são anarquistas autodeclarados. No Egito, por exemplo, podem ser ativistas políticos, torcedores de futebol ou fãs de bandas de heavy metal. Entretanto, como diz o professor Mark LeVine, a Tahrir [praça no Cairo que concentrou os protestos que levaram à derrubada de Hosni Mubarak, em 2011, e continuou a receber protestos contra o governo da Irmandade Muçulmana] “continua sendo em muitos aspectos o símbolo das ideias de horizontalismo e auto-organização que estão no centro da teoria e da prática do anarquismo moderno”.

Em seus comunicados, manifestos e entrevistas, muitos black blocs ressaltaram a diversidade de seus membros. Em “Letter From Inside the Black Bloc” (carta de dentro do black bloc), por exemplo, publicada alguns dias após as manifestações contra a Cúpula do G8 de 2001, em Gênova, Mary Black escreve:

“A maioria das pessoas que usaram as táticas black bloc tem trabalhos diurnos voluntários. Alguns são professores, sindicalistas ou estudantes. Alguns não têm empregos em tempo integral, mas passam a maior parte do tempo trabalhando para mudar suas comunidades. Eles começam projetos de jardins urbanos e bibliotecas móveis; cozinham para grupos como Food Not Bombs. São pessoas pensantes e atenciosas que, se não tivessem ideias políticas e sociais radicais, seriam comparadas a freiras, monges e outros que levam a vida servindo”.

“Existe uma grande diversidade no que somos e no que acreditamos. Conheço pessoas de black blocs que vêm da Cidade do México mas também de Montreal. Acredito que o estereótipo está certo ao dizer que a maioria de nós é jovem e branca, embora eu não concorde com a ideia de que somos uma maioria de homens. Quando estou vestida de preto da cabeça aos pés, com roupas pretas largas, com o rosto coberto, a maioria das pessoas pensa que sou homem. O comportamento dos ativistas dos black blocs não é associado a mulheres, por isso repórteres costumam supor que somos todos homens.”

Esses relatos parecem ser motivados por um desejo sincero de retratar os black blocs de maneira correta e, ao fazer isso, rebater acusações de que eles não passam de jovens delinquentes sem qualquer consciência política.

Autorrepresentações como essa procuram desmentir uma crítica muito frequente contra os black blocs: a de que é impossível para um ativista fazer duas coisas ao mesmo tempo ou até uma depois da outra –ou seja, tomar parte em protestos violentos e também se organizar em movimentos globais ou locais que ajudem as pessoas exploradas e marginalizadas.

LEGITIMAÇÃO Afirmações como a de Mary Black também são ações de legitimação. Em 2011, após protestos contra medidas de austeridade em Londres, quando um participante do black bloc, identificando-se como um “trabalhador mal pago do setor público”, disse a um repórter do “Guardian”: “Vimos muitos enfermeiros, trabalhadores da área de educação, tecnologia, desempregados, estudantes e assistentes sociais no bloco”. Outro afirmou:

“Você teria uma surpresa incrível com as pessoas que usam as táticas do black bloc, em termos de idade, gênero, profissão. A mídia gosta de pintar um quadro de hooligans e bandidos, homens irracionais em fúria. Simplesmente não é verdade. Existem mulheres e provavelmente transgêneros também. Alguns dos anarquistas assustadores trabalham em empregos de assistência social e saúde mental. Isso não vem da bandidagem”.

O retrato inesperado que surge desses relatos é o de um grupo de cidadãos responsáveis e sensatos, de ambos os sexos.

Durante a greve estudantil no Quebec de 2012, os principais meios de comunicação denunciaram a suposta infiltração de black blocs em manifestações estudantis. Aqui está o que um grupo de “anarquistas entre muitos” respondeu a essa afirmação em seu “Manifeste du Carré Noir” (manifesto do quadrado negro):

“Somos homens e mulheres. Somos estudantes. Somos trabalhadores. Somos desempregados. Estamos furiosos. Não estamos cooptando uma greve. Fazemos parte do movimento desde o começo, uma de suas facetas, junto com todos os outros ["¦] Não nos infiltramos em manifestações; ajudamos a organizá-las, fazemos com que elas nasçam. Não estamos sabotando a greve; somos parte integral dela, ajudamos a organizá-la, fazemos seu coração pulsar.”

Muitas das pessoas que entrevistei eram ou haviam sido estudantes de ciências sociais (no entanto, tais encontros tem relação natural com o fato de eu mesmo fazer parte do mundo acadêmico). Em várias ocasiões, seus projetos de pesquisa tratavam da importância política e das consequências de manifestações e ações diretas, o que sugere que seu envolvimento político se baseava em pensamentos políticos mais profundos.

Segundo o comunicado divulgado pelo black bloc de Seattle em 1999, a maioria dos membros “estuda os efeitos da economia global, da engenharia genética, da extração de recursos, do transporte, das práticas trabalhistas, da eliminação da autonomia indígena, dos direitos animais e dos direitos humanos, e há anos praticamos ativismo nessas áreas. Não somos mal informados nem inexperientes”.

Em sua maioria, as pessoas que entrevistei a respeito dos black blocs eram ativistas experientes ou que atuavam em diversas comunidades ou organizações políticas (contra os neonazistas, o racismo, a brutalidade policial e assim por diante), ou que ajudavam a produzir jornais políticos.

Vale repetir, porém, que não existe um perfil homogêneo dos militantes por trás das máscaras. Ser fã de música punk não é suficiente para fazer de alguém um candidato óbvio a black blocker. Por outro lado, um black blocker pode não gostar de música punk ou estudar em uma universidade.

Muitos black blockers dizem que o uso da força resulta de uma avaliação política baseada em frustrantes experiências pessoais com ações não violentas, que passaram a ver como, no mínimo, inadequadas. Um militante veterano que havia se juntado a muitos black blocs me disse:

“Todos os homens e mulheres que conheço que participaram de black blocs são ativistas, alguns muito experientes. Eles ficaram um tanto desiludidos porque chegaram à conclusão de que os métodos pacíficos são muito limitados e jogam a favor dos poderes no comando. Então, para deixarem de ser vítimas, eles acharam melhor usar a violência” (4).

As notas a seguir foram editadas pela Redação, sendo suprimidas aquelas essencialmente bibliográficas e mantidas as necessárias à contextualização:


1. Não confundir com movimentos autonomistas, pró-reconhecimento de culturas nacionais ou regionais distintas.

2. BB4, entrevistado pelo autor em Montreal em 26.nov.03. Morador de Amsterdam, ele tinha 42 anos na época e havia participado de black blocs durante a década de 1980 e no movimento de ocupação na Alemanha e na Holanda.

3. O primeiro centro da Indymedia foi fundado durante a Batalha de Seattle. Ele reuniu estudantes, trabalhadores comunitários e ativistas. Desde então, inúmeras cidades passaram a ter sites ligados à Indymedia. Qualquer pessoa pode publicar textos e imagens diretamente neles. Embora não seja inteiramente dedicada ao tema, a rede Indymedia continua sendo uma das fontes mais úteis para obter detalhes sobre os protestos alterglobalização.

4. BB2, entrevistado pelo autor. Tradução nossa. A mesma observação foi feita por militantes franceses em Cle?ment Barette, “La Pratique de la Violence Politique par l’Émeute: le Cas de la Violence Exerce?e lors des Contre-sommets” (Universite? de Paris I– Panthe?on-Sorbonne, 2002), 93.